A Padeira de Aljubarrota

Tem Faro a incontestável honra de ser a pátria da nossa famosíssima e valorosíssima heroína Brites (ou Breatiz, como então também se dizia) de Almeida, por alcunha a Pisqueira, conhecida nos fastos militares portugueses pelo título de Padeira de Aljubarrota.

Não se sabe ao certo quando nasceu, mas é provável que fosse aí por 1315; porque, segundo os nossos historiadores, tinha ela pouco mais ou menos 40 anos, no dia da gloriosíssima batalha e vitória de Aljubarrota (14 de agosto de 1385).

Era tão alta como o homem mais agigantado; magra, mas corpulenta, de semblante feio, pálido e triste. Tinha os olhos muito pequenos em proporção do tamanho do rosto, e por isso era alcunhada Pisqueira.

Seu cabelo era áspero, o nariz adunco e grande a boca. Tinha 6 dedos em cada mão.

Era filha de pais humildes e laboriosos.

Ficando orfã aos 26 anos, gastou a maior parte do que herdara de seus pais em aprender a jogar as armas. Arrendou depois uma fazenda em Loulé, e aí vivia.

Um soldado alentejano, enamorado do valor desta virago (já se vê que do físico não podia ser) lhe pediu a mão de esposa.

Ela respondeu-lhe que brigassem, e que se fosse vencida, casaria com ele. O soldado aceitou, mas perdeu a vida no combate.

Para evitar a prisão, fugiu Brites para Faro, embarcando-se aí sózinha, com destino a Andaluzia, em uma lancha; mas sendo o vento contrário, a arremessou ao mar largo, onde foi feita cativa de um chaveco argelino.

Em Argel foi vendida a um mouro rico..

Este, tendo mais dois escravos portugueses, Brites os convenceu a fugirem todos três.

Numa noite mataram quantos mouros havia em casa e embarcaram em uma lancha, que tinham já de prevenção na praia; mas sem terem a precaução de levarem alimentos.

Quatro dias lutaram contra as ondas sem comerem nem beberem, até que finalmente chegaram á Ericeira.

Temendo ser reconhecida, vestiu-se de homem e se fez almocreve. Deste modo de vida teve uma desordem com outro almocreve e o matou, pelo que foi presa para as cadeias de Lisboa.

Conseguiu livrar-se e foi para Valada, onde pouco se demorou, ajustando-se para Aljubarrota como criada de uma padeira.

Viveu oito meses e meio com a ama, e, morrendo esta, ficou Brites com a padaria, ganhando a sua vida honestamente.

Casou, logo depois da batalha, com um lavrador rico, de quem teve uma filha, que por sua morte (provavelmente em 1393) tinha seis anos.

Morava na Rua Direita, em uma casa pegada ao celeiro dos frades de Alcobaça; a qual casa, por morte de Brites, foi de uma mulher chamada a Tubaroa, e esta casa depois se anexou ao mesmo celeiro.

Texto retirado da obra “Portugal Antigo e Moderno”, de Pinho Leal, Vol. 3, Pág. 146

……………………………………………………..

Aqui (em Aljubarrota) vivia a denodada e imortal Brites (ou Beatriz) de Almeida, por alcunha a Pisqueira, vulgarmente conhecida por a Padeira de Aljubarrota; que nesse memorável dia da batalha matou sete castelhanos, com a sua pá de fornear. 

Esta pá se conservou por muitos anos (e não sei se ainda existe) sobre a verga de uma das portas da igreja matriz (outros dizem que está na casa da câmara; mas parece-me que a vi, em 1834, na igreja como troféu e em memória desta façanha mulheril).

Consta que os tais sete castelhanos, vendo tudo perdido, e para escaparem á geral carnificina, achando a casa da Pisqueira abandonada (por a padeira andar entretida a caçar castelhanos) se foram esconder dentro do forno. Foi ela ali dar com eles, e, agarrando na pá - “quantos  vivos rapuit, omnes esbarrigavit”.

Querem alguns, que as armas desta vila sejam, um escudo coroado, com uma pá de ouro em campo de sangue. E dizem que assim lhas deu D. João I. Eu, a dizer a verdade, ainda não vi isto escrito em livro digno de fé; todavia a vila bem merecia esse brasão, se o não tem.

A pá é do ferro com cabo de pau, e quadrada.

Quando à vila ia alguma pessoa real, ou de grande qualidade, era costume expor-se na praça a dita pá, empunhada por uma mulher de bom comportamento, que fosse padeira.

Os Filipes mandaram ordens sobre ordens, para que a pá fosse para Castela; mas pôde-se subtrair (escondida em uma parede da casa da câmara) e só apareceu triunfante em 1640. Foi Manuel Pereira de Moura quem a escondeu.

Texto retirado da obra “Portugal Antigo e Moderno”, de Pinho Leal, Vol. 1, Pág. 137